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quinta-feira, 10 de abril de 2014

"O meu olhar" - Fernando Pessoa


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...


Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...


O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...


Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...


Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Alberto Caeiro, em "O Guardador de Rebanhos", 8-3-1914

sábado, 5 de abril de 2014

Tudo tem um fim

Tudo o que começa acaba.
Tudo o que inicia termina.
Tudo o quanto nasce morre.
Tudo o que brilha escurece.
E todo o que ri chora.
Mas nem tudo tem um fim!
O infinito não tem fim.
O espaço não tem fim.
O teu sorriso não tem fim.
O teu espaço não tem fim.
O teu brilho não tem fim.
Amava que assim permanecesse.
Perdurando pelos tempos.
Tal como relógio a compasso.
Que marca a espera desse tempo.
Esse tempo que é tão escasso.
Pois esgota-se para a carne o tempo
Que inevitavelmente chegará ao fim.